Há quem diga que o timing da Ciência não caminha no ritmo das emergências e urgências da sociedade. De fato, temos muitas ânsias imperativas, especialmente em uma nação desigual como o Brasil. De acordo com o artigo, Tempo e Ciência (2020), de Silvânia Siebert, doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas e docente do Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina, “o tempo histórico exerce pressão sobre o tempo da ciência”, ou seja, parecem ser dois relógios e compassos distintos.
A produção científica não deve, de fato, ser feita de açodamentos. O que não quer dizer que cientistas sejam insensíveis ao pulsar da sociedade, aos carecimentos do cotidiano e que não possam e não sejam ágeis – está aí, como evidência recente o desenvolvimento, de maneira emergencial, de vacinas contra a Covid-19, perspectiva que estabelece, como assim é na Ciência, um aditamento à proposição de Siebert (2020). Na UFSCar, temos bons exemplos de trajetórias científicas que se deslocam pelas extensas trilhas da maturação, proposição, amadurecimento, teste de hipóteses, com reiteradas etapas de provas, contraprovas e refutações. Uma delas, iniciada há 47 anos, é do hoje professor sênior Edgar Dutra Zanotto, do Departamento de Engenharia de Materiais (DEMa) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Ele acaba de receber uma das mais importantes premiações da Ciência em sua área de atuação. Zanotto foi agraciado com a Frontiers of Glass Science Lecture, concedido, anualmente, pela American Ceramic Society (ACerS) a um pesquisador que tenha feito contribuições excepcionais para o avanço da ciência dos materiais vítreos. Anteriormente, apenas pesquisadores norte-americanos, franceses, alemães e japoneses receberam esse prêmio. “É, seguramente, um dos prêmios mais significativos que a Universidade já recebeu”, destaca o Pró-Reitor de Pesquisa, Pedro Fadini. “A trajetória de nosso colega (Edgar Dutra Zanotto) enche a gente de orgulho e nos inspira a continuar a caminhada aqui na UFSCar, nas mais diferentes áreas do conhecimento e diversos laboratórios”, completa Fadini.
Zanotto define a premiação como resultado de um processo de trabalho ao longo de muitos anos de pesquisa, que resultou em cerca de 400 artigos científicos, 30 capítulos de livros, dois livros publicados e 30 patentes. O pesquisador afirma estar satisfeito e destaca que “alunos e colaboradores foram e continuam sendo fundamentais” para chegar onde ele chegou.
Grand Slam das palestras
Em maio, o professor Edgar Zanotto viaja para Las Vegas, nos Estados Unidos. Lá, ele profere a palestra, uma das dimensões públicas da premiação, intitulada “Desvendando a Nucleação de Cristais em Líquidos Super-resfriados e Vidros”. Tema fundamental para o entendimento e desenvolvimento de novos materiais, a palestra plenária permitirá ao pesquisador da UFSCar compartilhar suas pesquisas sobre a cristalização de vidros com cerca de 500 cientistas da área de materiais vítreos.
O docente comenta que o sentimento é similar ao de um tenista que venceu os quatro mais importantes torneios do mundo: Australian Open, Roland Garros, Wimbledon e o US Open. “Ao sermos convidados a ministrar a Frontiers of Glass Science Lecture, é como se tivéssemos alcançado o ‘grand slam’ das palestras nesta expertise, feito que consolida o DEMa-UFSCar como um dos principais centros do planeta em materiais vítreos”, afirma Zanotto. Mas diferentemente dos tenistas, que se esmeram nas quadras, o professor, seus alunos e colaboradores “jogam o jogo” em computadores e bancadas de laboratório.
A Frontiers of Glass Science Lecture soma-se a outras três palestras de prestígio internacional que Edgar Zanotto já ministrou: 1) Willian E.S. Turner Memorial Lecture 2014 (Society of Glass Technology, UK); 2) Alfred Cooper Distinguished Speaker Lecture 2016 (ACerS, USA) e 3) Samuel Scholes Memorial Lecture 2019 (The State University of New York / Alfred University, USA).
Nenhum pesquisador do mundo proferiu essas quatro palestras.
A concessão do prêmio Frontiers of Glass Science ao professor da UFSCar é um marco histórico, que impacta positivamente a ciência nacional. A conquista abre portas para novas oportunidades, inspira novas gerações e fortalece a imagem do Brasil no cenário global da ciência de materiais. Mais do que um reconhecimento individual, é um legado para a ciência brasileira, pavimentando o caminho para um futuro mais promissor e inovador. E São Carlos tem o seu lugar de destaque neste cenário mundial dos materiais vítreos. A cidade é o berço de cerca de 1% dos artigos científicos publicados, anualmente, nesta área do conhecimento. Este resultado mostra a relevância do município paulista, onde está localizado um dos mais importantes centros acadêmicos de pesquisa e tecnologia dedicados à ciência do vidro, coordenado por Zanotto. O site do centro de pesquisa e tecnologia, com conteúdo em inglês, está disponível pelo endereço informado entre parênteses (https://www.certev.ufscar.br/en). E sobre um exemplo de aplicações em potenciais para vidros e vitrocerâmicas, leia reportagem, aqui mesmo, no Portal UFSCar.
“Fapesp, Fapesp, Fapesp”
Fazer Ciência e obter resultados pragmáticos demandam fontes de financiamento regulares e sistemáticas. Edgar Zanotto afirma que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tem desempenhado um papel essencial para o desenvolvimento científico no estado e de seu grupo. O Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV), estrutura do Departamento de Engenharia de Materiais, da qual Zanotto é um dos coordenadores, é um bom exemplo. Esta estrutura de pesquisa vem se estruturando há 47 anos a partir de aportes significativos oriundos da Fapesp.
“Aqui, no laboratório, temos recursos de muitas agências de fomento. Mas cerca de 90% dos recursos investidos no LaMaV vêm da Fapesp, Fapesp, Fapesp”, reitera o professor.
Para o Pró-Reitor de Pesquisa da UFSCar, Pedro Fadini, a Fapesp é a expressão concreta de uma política pública realizada de maneira correta. “Com um orçamento anual correspondente a 1% do total da receita tributária do Estado, a Fundação apoia a pesquisa e financia a investigação, o intercâmbio e a divulgação da ciência e da tecnologia produzida em São Paulo”, destaca Fadini.
“E, nos momentos em que houve tentativas, por parte de algumas gestões estaduais, de reduzir o orçamento da Fapesp, nós, pesquisadores, nos mobilizamos para que isso não acontecesse. Nós defendemos a nossa fundação de apoio”, completa Zanotto.