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No Pará, artesão mantém memória do pai viva através da arte em cerâmica

 

Laboissiere, Luana. “No Pará, artesão mantém memória do pai viva através da arte em cerâmica”. Do G1 PA. 10/08/2014 06h00 – Atualizado em 10/08/2014 06h00
Foto: Laboissiere, Luana / G1)
Disponível em: <http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2014/08/no-para-artesao-mantem-memoria-do-pai-viva-atraves-da-arte-em-ceramica.html>. Acesso em: 03.02.2021.

 

Mestre Cardoso levou a cerâmica da região a museus internacionais.
Filho Levy continuou a produção de peças com identidade amazônica.

Levy Cardoso mantém a memória do pai viva através do seu trabalho (Foto: Luana Laboissiere / G1)
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“A maior herança que meu pai deixou não foi para mim e a minha família, mas para a cultura da nossa região. É com responsabilidade, mas também muita alegria, que eu pretendo conduzir esse legado deixado por ele”, afirma Levy Cardoso, 48 anos, filho de Raimundo Cardoso, mestre ceramista que levou a arte em cerâmica da Amazônia para além das fronteiras do estado: o paraense chegou a ter trabalhos expostos até no Museu do Louvre, em Paris, e continua a inspirar a família mesmo oito anos após sua morte, em 2006.

Na companhia da mãe, Inês, de 60 anos, e da irmã Ester, 46 anos, Levy produz em uma pequena oficina localizada na passagem São Francisco de Paula, em Icoaraci, distrito de Belém, peças utilitárias em cerâmica e outras decorativas. A marca do trabalho de Cardoso não está apenas na assinatura dos objetos, mas nos grafismos marajoaras, nos traçados que remetem a desenhos rupestres de povos primitivos e na rusticidade do estilo tapajônico.

Mestre Cardoso, que morreu de câncer aos 75 anos, teve sua obra conhecida por resgatar a identidade da cerâmica produzida por comunidades pré-históricas no Pará. Ele foi o único artesão a conseguir acesso ao universo da ciência e da pesquisa, nas reservas técnicas do Museu Paraense Emílio Goeldi, na capital paraense, que dispõe de um rico acervo arqueológico.

Levy folheia o livro encontrado pelo avô, que inspirou três gerações da família (Foto: Luana Laboissiere / G1)
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“Meu avô trabalhava na casa de uns missionários norte-americanos e encontrou na lixeira um livro sobre arqueologia do Marajó e do Tapajós, cheio de imagens de figuras humanas, urnas funerárias e várias peças de cerâmica indígena primitiva da Amazônia. Aquilo despertou grande interesse nele, que antes disso ganhava a vida vendendo livros, remédios e sapatos. Ali ele se reconectou com as lembranças de Vigia, onde nasceu e teve contato com vasilhas, panelas, alguidares feitos de barro”, relembra Levy enquanto folheia o livro que inspirou três gerações, hoje guardado como relíquia.

A dedicação de Cardoso ao trabalho com a argila e à pesquisa sobre estilos, formas e técnicas usados pelos povos pré-históricos da região consumia horas do dia na oficina, mas o ofício não o afastava do convívio com a esposa e os quatro filhos.

Mestre Cardoso faleceu em 2006 (Foto: Fernando Araújo / O Liberal)
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“Papai tinha o ritual dele, do processo de criação, mas não era alheio às coisas da casa e do mundo. A questão humana, o contato com as pessoas era importante para ele. Quando éramos crianças, nossa casa em Icoaraci recebia vários grupos de índios que estavam no distrito e ele fazia questão de organizar o almoço, juntar todo mundo e ali trocar experiências, principalmente com os mais velhos”, detalha.

Educação com argila e afeto
O filho conta que a argila ocupou vários espaços na história da família já que, assim como ele, as irmãs puderam fazer aulas de inglês, de música e cursar o ensino superior com o lucro que mestre Cardoso obtinha com a venda dos objetos de cerâmica.

“Ele nunca nos forçou a seguir na profissão dele, ao contrário, nos estimulou a fazer coisas diferentes, como inclusive minhas outras irmãs fizeram, mas não tinha jeito, a gente sempre estava às voltas com esse universo dele. Eu mesmo tive experiências em outras áreas, até joguei futebol profissionalmente por dois anos, mas esse prazer, o amor pela cerâmica acabaram me reconduzindo ao universo das coisas que me ligavam ao meu pai”, revela.

Primeiro contato de Levy com a cerâmica foi em tom de brincadeira (Foto: Luana Laboissiere / G1)
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O artesão comenta que ainda muito pequeno tinha como brincadeira preferida a modelagem do barro, que dava formas a carrinhos, animais e bonecos. E a brincadeira começou a se tornar mais séria quando, aos 14 anos, começou a desenvolver as próprias peças e contar com o apoio do pai, que as vendia e repassava ao adolescente o dinheiro ganho.

O conflito de gerações também marcou a relação de pai e filho, já que o jovem queria experimentar novos processos e formatos, debaixo do olhar conservador do mestre que tinha mais experiência e conhecimento. Mas Levy minimiza os atritos e diz, com ternura, que o temperamento tranquilo do pai, a paciência e a delicadeza que dedicava ao trabalho e à educação dos filhos são as lembranças mais marcantes dos momentos de convívio com o patriarca dos Cardoso.

“Quando eu o via na oficina, concentrado, com as mãos na argila, naquele trabalho que pedia tantos detalhes, persistência, errando, acertando, desmanchando as peças e até perdendo algumas, sem saber, ali ele estava educando a gente para a vida”, pondera, emocionado.

Levy Cardoso divide legado do pai com a cultura paraense (Foto: Dirceu Maués / O Liberal)
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