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Artesãs Retratam em Peças História de seus Antepassados

 

Colaborador GOMES, Wilson. Artesãs Retratam em Peças História de seus Antepassados. Diário do Nordeste. Escrito por Redação. 22 de Jun. de 2009.
Disponível em: <https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/artesas-retratam-em-pecas-historia-de-seus-antepassados-1.241068>. Acesso em: 28 de set. de 2020.

 

Em Viçosa do Ceará, grupo de mulheres se destaca na fabricação de peças de barro, inserindo nelas suas histórias

Viçosa do Ceará. Elas não precisam de diploma, nem patrão, precisam apenas da criatividade. É assim que vive um grupo formado por 12 mulheres da comunidade de Tope, zona rural da cidade de Viçosa do Ceará. Logo no início, no galpão onde funciona o Centro de Artesanato do Sítio Tope, instalado atrás da creche, abrigava 25 pessoas. Essas donas de casa não fazem outra coisa a não ser pequenas, médias e grandes peças de barro que, mais tarde, servirão de ornamentação decorativa de algum lar.

A dedicação dessas artesãs já transformou Viçosa do Ceará em uma cidade ainda mais atrativa. Além da exuberante natureza, o viçosense tem orgulho do seu artesanato em barro e madeira, produtos que são vendidos no Centro de Artesanato do Mirante do Céu, em lojinhas distribuídas pelo Centro e na feira que movimenta a cidade todos os sábados.

A artesã Vanúsia do Nascimento, 43 anos, que estudou apenas até as séries iniciais, não lembra bem a época em que aprendeu o ofício, sabe apenas que aprendeu quando ainda era criança. “Vi minha mãe fazer as peças de barro para vender na feira, daí comecei a amassar o barro e aos poucos fui aprendendo. Hoje ministro cursos para outras pessoas aqui da região”, disse. Mas, apesar da aptidão, não conseguiu incentivar os filhos para a arte. “Os jovens de hoje em dia gostam mais é da cidade. Minhas filhas não tiveram interesse por isso aqui não”, descontrai enquanto faz o acabamento de uma jarra grande.

As artesãs do Sítio Tope, em Viçosa do Ceará, imprimem sua história em cada peça de cerâmica moldada com toda dedicação. A religião, os idiomas e os costumes de antepassados são os referencias de seu trabalho. Ali, o barro ganha vida e toma forma de jarras, fruteiras, travessas, panelas, cestas, potes, galinhas, flores, bichos, vasos ou cofrinhos.

O barro, que antes era preparado e moldado no quintal, dando forma às peças de cerâmica, hoje ganhou um local mais apropriado, até um termômetro foi adquirido para medir a temperatura do forno. Depois de moldadas, elas são lixadas com sabugos do milho e feito o acabamento. Neste ponto, vale a criatividade de cada artesã. Muitas delas gostam de imprimir nas travessas, jarras e potes sinais de seus antepassados que foram encontrados nos sítios arqueológicos da região. O barro usado na confecção das peças são: barro vermelho, barro branco e barro do cujá, (nome originário ao local onde a argila é encontrada em grande escala).

Sustento da família

Para Ilda Carvalho, 73 anos, outra que aprendeu com seus antepassados, revela que o trabalho que faz garante o sustento da família. Diferente dos tempos de outrora, as peças fabricadas por Ilda não precisam ir mais para a feira livre ou para as lojinhas da cidade. “Só trabalho sob encomenda. O que faço hoje já tem lucro garantido. Na feira da cidade tudo é mais barato, muita das vezes não compensa”.

Lúcia de Fátima da Silva, 53 anos, que também trabalha como artesã no Centro de Artesanato, tem uma paixão pelas peças que fabrica. Sua especialidade são as galinhas, jarras e cofrinhos. Ela revela que cada peça leva em média três dias para ficar pronta. No começo fazia pratos e panelas para ajudar a mãe no sustento da família. “Hoje se a gente for fazer uma peça dessa não vale a pena, porque os tempos são outros e as pessoas adquirem somente aquelas que serve para decoração”, disse Fátima, acrescentando que chega a fazer de três a quatro galinhas por dia, o que lhe garante um bom lucro no fim do mês.

Em Viçosa, quem não quiser esperar pela feira, que acontece no sábado, tem outras oportunidades para comprar os produtos da terra. As lojinhas de artesanato funcionam diariamente. A maior concentração está no Mirante do Céu.

SERRA DA IBIAPABA

Vegetação é usada como modelo

Viçosa do Ceará. A criatividade delas não pára por aí. Utilizando pentes, as peças são riscadas e ganham detalhes em alto relevo. Há também as artesãs que utilizam cordas de palha de carnaúba na criação de detalhes em torno dos jarros. Guardanapos de croché e folhas de torém, uma vegetação rica na região da Ibiapaba, são também usados como moldes para a confecção das travessas. E o trabalho é primoroso. Sobre o guardanapo ou as folhas, é colocada uma generosa quantidade do barro a ser moldada. Usando um pau de macarrão, o barro é amassado. Depois disso, é só recortar a placa de barro no formato do molde, e levantar as pontas para formar uma tigela.

Em seguida, coloca-se para secar. A peça ganha todos os detalhes que havia no trançado do guardanapo de crochê ou da folha do torém. Depois do acabamento das peças, elas são queimadas em fornos a lenha, numa temperatura aproximadamente de 700ºC, por um período de 8 horas. O fogo também deve ser colocado de forma moderada até atingir a temperatura máxima. O calor dá à cerâmica a consistência e o brilho que as peças precisam.

A arte do barro é uma atividade milenar existente há mais de 3 mil anos antes de Cristo. No Brasil é uma prática muito representativa para a cultura popular. Em Viçosa do Ceará talvez essa cultura tenha sido uma herança deixada pelos índios Tabajaras, pertencentes ao ramo Tupi.

As índias faziam brinquedos de barro para os filhos e objetos domésticos como gamelas, tigelas, alguidares, potes e modelavam conforme sua criatividade e/ou necessidade, e pintavam com tintas fortes e coloridas, inspiradas na natureza.

O artesanato de barro é uma produção espontânea que parte da sensibilidade e ingenuidade do artesão. Usar o barro para fazer algo que lhe proporcione prazer, beleza e arte, fazendo do artesanato uma fonte de renda para sua subsistência.

Exemplo

A artesã Francisca Rodrigues Ramos do Nascimento, mais conhecida por “Dona Fransquinha”, uma das mulheres que recebeu, em 2006, o título de Mestres da Cultura da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), prefere confeccionar as peças em casa. “Eu acho melhor fazer em casa. Como passo maior parte do tempo sozinha, tenho tempo de olhar meu feijão cozinhando”.

A dona Fransquinha desde os oito anos trabalha com barro na fabricação de utilitários e bonecas. “Aprendi a fazer só de olhar a minha mãe. É um trabalho pesado, mas foi assim que me sustentei e ainda sustento a minha família”, lembrou orgulhosa.

Além da feira, os quiosques em Viçosa também vendem as peças, oferecem produtos em barro, mais elaborados e com preços um pouco mais altos, mas longe de serem considerados caros. Também pode ser encontrados no Central de Artesanato (Ceart), na Capital.

Mais informações:

Associação dos Artesãos do Sítio Tope
Sítio Tope, município de Viçosa do Ceará
(88) 9935.3937