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E do Barro se fez a Arte Popular

 

BARBOZA, Jorge. E DO BARRO SE FEZ A ARTE POPULAR. Caderno B – Gazeta de Alagoas. 09 de set. de 2017
Disponível em: <http://gazetaweb.globo.com/gazetadealagoas/noticia.php?c=312012>. Acesso em: 22 de set. de 2020.

 

Em seu ateliê e oficina no município de Capela, o mestre João das Alagoas ensinou desde o filho, João Carlos, à atual estrela da cerâmica, Sil, e a muitos outros artesãos

João das Alagoas não guarda apenas consigo essa técnica extraordinária que desenvolveu ao longo de 35 anos de trabalho com a cerâmica. A técnica, o estilo, toda fabulosa riqueza de detalhes e cores e informações. E as histórias de vida e arte que ensina aos aprendizes que frequentam sua oficina no município de Capela, que receberá um investimento do governo de R$ 199.983,80.

“Foi João das Alagoas quem iniciou tudo. É mestre de todos os outros artistas que vieram depois dele. Na questão da técnica da cerâmica, ele conhece tudo de argila. Todos os erros, as queimas – até hoje desenvolve oficinas lá em Capela”, derrama-se a artista visual e colecionadora de arte popular Maria Amélia Vieira.

“Parei de falar arte popular”, ela comunica. “Prefiro chamar arte não erudita. Quando se diz ‘popular’, parece tratar-se de um produto barato. João já era escultor em madeira, antes de trabalhar com o barro. É autodidata e, sim, ele não é naïf. O naïf não tem proporção, e João conhece a técnica do desenho. Tinha uma ligação muito forte com a cerâmica do mestre pernambucano Vitalino, a coisa do boi-bumbá de Pernambuco”, explica Maria Amélia, que “há uns 15 anos” sugeriu ao mestre que fizesse os bois “bem grandes”.

“Isso deu uma guinada no trabalho dele, foi um boom”, conta a artista, proprietária, no centro da capital, de uma galeria de arte repleta de peças em barro e madeira feitas por artistas e artesãos de Alagoas e outros estados do Nordeste. “João tem uma humildade que só os grandes mestres conseguem. Acho importante isso. A Sil, que foi aluna dele, conseguiu no mercado de arte, no mercado de consumo, chamar mais atenção do que o próprio João. E ele não se incomoda nem um pouco. O trabalho dele é perfeito: figuras do boi em tamanhos pequeno, médio e grande. No corpo do boi, conta toda a história do lugar dele. É incrível”.

Com 20 anos na arte da cerâmica, Sil concorda que “aprendeu tudo” com João das Alagoas. Nascida há 38 anos no município vizinho de Cajueiro, criou-se mesmo, como diz, numa fazenda de Capela. “Costumo retratar a minha vida, as coisas que eu vivo e que vejo. Já expus em São Paulo, Rio de Janeiro. O catálogo da exposição de São Paulo, chamada Entreolhares [ano passado, no museu Afro Brasil], trouxe uma peça minha na capa”.

As obras maiores de Sil, medindo 1,20m de altura, como a que expôs em São Paulo, no mesmo padrão das esculturas de João das Alagoas, custam de R$ 8 mil a R$ 12 mil. “Esse trabalho que figurou na capa do catálogo, eu o fiz em dois meses e 15 dias”, estima a artista. “Começo pela base e vou subindo. Aparte de dentro eu já sei antes como vai ficar. E as figuras vão saindo no dia a dia”.

João Carlos, filho de João das Alagoas, era um pirralho igual ao pai, quando começou a mexer com o barro. “Não lembro quantos anos tinha, com cinco anos, eu acho, já fazia bonecos e animais de brinquedo. Aos oito, participei de um concurso – era um projeto literário do Dia das Mães. Uma escultura de mulher amamentando, eu fiz meio sem entender nada. Mas ganhei o primeiro lugar, o prêmio foi um livro e um passeio num hotel-fazenda”.

Até os 14 anos, João Carlos mexia com argila “só para curtir”. “No colégio eu mostrava as peças pra galera, fazia os trabalhos de arte; quando os colegas precisavam, desenhar era comigo”.

Já com 18 anos, ajudava o pai na oficina. Mas dia sim, dia não. “Ele queria que eu estudasse, trabalhava na oficina em dias alternados. Hoje o que quero seguir é a arte”, reitera o jovem artista e ceramista, que afinal continua estudando. Atualmente faz o curso de Artesanato do Proeja, o programa de educação do governo federal voltado para jovens e adultos, em Maceió, no campus do Ifal. “É um curso específico para agregar valor ao trabalho da gente, entendendo mais sobre as técnicas, cores, fazendo acontecer mais a cultura”.

Você que está na capital e se interessa por cerâmica, o escultor ministra um curso de Modelagem no ateliê de Myrna Maracajá, à Rua Pedro Américo, 183, no bairro do Poço. “É o trabalho que a gente faz em Capela – estou passando o módulo básico. Na turma atual tem arquiteto, artista de grafite, outro que trabalha com arte de reciclagem – eu gostei muito”.

As aulas abordam as ferramentas e o barro como matéria-prima. “Explico as principais técnicas, falo dos problemas. Às vezes as peças racham – é um problema de trinca. Às vezes estouram no forno. Ensino desde a preparação da massa, deixando-a descansar. Porque você não pode colher a argila e já fazer a peça. Quando deixa descansar, evita 90% dos problemas na queima”.