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Tradições Quinari e Acuriá

 

FERREIRA, Edmilson <edmilson.ferreira@ac.gov.br>. Tradições Quinari e Acuriá. Secretaria de Estado de Comunicação. 04 de out. de 2007.
Disponível em: <https://agencia.ac.gov.br/tradies-quinari-e-acuri/>. Acesso em: 10 de set. de 2020

 

Produção ceramista da antiguidade é o livro não escrito da história do Acre

Doados na década de 1990 pelo falecido livreiro Arthur Jerosh ao Museu da Borracha, os materiais de cerâmica pré-histórica identificados pelos cientistas como vasos-caretas e urnas funerárias representam para a arqueologia mais um mistério a ser desvendado no Acre. Os vasos guardados no MB foram encontrados a cerca de cinco quilômetros ao norte da estrada da Areia Branca, em Plácido de Castro, já próximo da fronteira com a Bolívia, devido à enorme curiosidade científica de Jerosh.

Nas publicações dos especialistas, as pesquisas revelaram a presença de duas grandes tradições ceramistas no Acre. A primeira, presente ao longo dos vales do Purus, Acre, Iaco e Aquiri, foi denominada Tradição Quinari, enquanto que a segunda está situada nos vales dos rios Juruá, Tarauacá e Muru e recebeu o nome de Tradição Acuriá. “A forma básica da maioria dos potes composta por um segmento cilíndrico embaixo, um globo no meio e outro segmento cilíndrico em cima acabou se revelando como o tipo-guia da cerâmica da Tradição Quinari”, diz o historiador Marcus Vinicius, em artigo publicado na coluna Miolo de Pote do jornal Página 20.

Além dos vasos-caretas coletados por Jerosh em Plácido, foram também identificadas grandes urnas funerárias na região de Cassiriã e Xiburema e na Estrada Mário Lobão, em Sena Madureira. Algumas peças estão guardadas no museu daquela cidade. Em Rio Branco, o Museu da Borracha mantém uma urna funerária do período e no Palácio Rio Branco podem ser vistas outras três.

Ainda sem grandes estudos sobre o tema, não é possível detalhar muita coisa. Os cientistas sugerem que entre 1.000 e 2.000 anos antes do Presente (aP), os vales dos rios Purus, Iaco, Acre e Iquiri e seus tributários foram ocupados por diversos grupos indígenas que compartilhavam um modo de vida característico. Não se tem conhecimento da denominação desses povos ou quais línguas falavam. Há pouca dúvida quanto ao trabalho que desenvolviam: eram ceramistas, agricultores semi-sedentários, que se contatavam de alguma forma e assim socializavam suas culturas.

O Acre tem um grande histórico de achados arqueológicos mas o conhecimento científico sobre o tema ainda é incipiente. No Centro de Documentação Histórica da Universidade Federal do Acre, por exemplo, os registros relacionados à cerâmica tratam de períodos recentes e mesmo assim através de citações. De outro lado, no artigo História Nativa do Acre, publicado na revista Povos do Acre, editada pela Secretaria de Comunicação do Governo do Estado, Marcos Vinicius diz que “a presença de duas distintas tradições ceramistas nos dois maiores vales acreanos parece indicar que a diferenciação histórica e cultural da população dos vales do Juruá e Purus é mais antiga do que se pensava”.

Nessa dissertação, Vinicius remove a possibilidade de relação entre as tradições até agora identificada com os sítios arqueológicos em estrutura de terra, os geoglifos, localizados principalmente na região do Alto Acre. “Entretanto, nem todos os sítios arqueológicos já localizados no Acre estão classificados numa dessas duas tradições ceramistas, podendo ser identificadas ainda outras tradições pré-históricas na região”, completa Vinicius em História Nativa do Acre.

Pioneiro na pesquisa arqueológica do Acre, o professor Ondemar Dias publicou, em 1988 em parceria com Eliana Carvalho, o artigo As Estruturas de Terra na Arqueologia do Acre. Nele, Dias cita as duas tradições e apresenta conclusões sobre a Quinari: “A Tradição Quinari é integrada pelas fases Iquiri, Xapuri, Iaco e Quinari. De uma maneira ampla, os sítios são pequenos, com reduzido material, camada ocupacional pouco espessa ou inexistente preferencialmente na floresta que cobre a maior parte do Estado.

As Fases Quinari e Iquiri tem sítios de Campo aberto. Apresentam pouca decoração, ocorrendo na última, e presença de vasos ´caretas´ (em forma de rostos, antropomorfos). Embora as formas variem, o padrão diagnóstico é o do vaso que lembra um cilindro inserido num globo. A Fase Iaco apresenta vasos deste tipo, de grande porte, com enterramentos secundários em plena floresta. As estruturas estão, predominantemente vinculadas à Fase Quinari, mas pudemos observar uma delas na Fase Iaco e outra na Fase Xapuri. Esta última é a que apresenta menor quantidade de material e formas menos típicas”, diz.

Relação com Llano de Mojos e influência do pano e aruak

Os cientistas ainda não sabem o que levou os povos pré-históricos a construir os geoglifos, enormes estruturas escavadas na terra. Essas ocorrências, no entanto, podem guardar alguma relação com os sítios de Llano de Mojos, região alagável e fértil ao norte da Bolívia, onde, segundo já se sabe, foram construídos grandes aterros para agricultura durante a pré-história. “O que reforça os indícios de contatos prolongados entre as civilizações andinas e os povos da Amazônia ocidental desde muito antes que se imagina”, diz o artigo de Vinicius. Os geoglifos, nome que está popularizando os sítios arqueológicos, são grandes figuras geométricas que podem ter sido utilizados para várias finalidades, incluindo defesa e celebração religiosa.

Pioneiro no estudo dos sítios arqueológicos do Acre, Ondemar Dias trabalha atualmente no Rio de Janeiro, no Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB). Pelo telefone desde Florianópolis onde participa de um congresso de sua classe, Dias anunciou o lançamento de um livro que completa as informações já veiculadas sobre as tradições ceramistas no Estado. “Os sítios podem ter relação com pano ou aruak. Mas estes são grupos lingüísticos”, disse.

“Se quisermos conhecer nossa história, temos de conhecer esses vestígios”, diz historiador

Para Marcos Vinicius, os vestígios arqueológicos são algo como um contêiner da história acreana. Conhecê-los melhor, diz Vinicius, é fundamental para ampliar o conhecimento da história desta parte da Amazônia. Vinicius preside a Fundação Garibaldi Brasil, responsável, em nível de Rio Branco, pela política de cultura do município e conhece e acompanha de modo sistemático os trabalhos que envolvem aspectos históricos do Acre.

“Esses vestígios são o nosso livro de história”, disse Vinicius. Há estudos em andamento em relação aos sítios em estrutura de terra. Estão sendo desenvolvidos através de uma ampla parceria que envolve os Governo Federal e Estadual, as universidades Federal do Acre (Ufac) e de Helsinque, e o Museu Emílio Goeldi. Nas escavações realizadas este ano, os cientistas coletaram materiais cerâmicos e de carvão que serão analisados pela Ufac.